domingo, agosto 10, 2008

# CCLVI - O eterno retorno

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[Praia, Agosto de 2008]


Nas férias leio, ainda mais, compulsivamente. Devoro alguns livros que vão sendo adquiridos a um ritmo que não permite a sua leitura, por entre tanto decreto-lei, despacho e circular com que somos mimados pelo querido Ministério da Educação - noblesse oblige!

Além de algumas novidades editoriais (chegadas via Círculo de Leitores, Hipermercados, Livrarias, Fnac e várias feiras do livro) trago na bagagem algum livro a que me apetece voltar. Desta feita, veio a Crónica de uma Morte Anunciada do Gabriel García Márquez.

Partilho dois excertos, diria, antológicos:




Os irmãos foram criados para serem homens. Elas tinham sido criadas para casar. Sabiam bordar com bastidor, coser à máquina, fazer renda de bilros, lavar e engomar, fazer flores artificiais e doces de fantasia, e redigir participações. Diferentemente das raparigas da época, que tinham descuidado o culto da morte, as quatro eram mestras na ciência antiga de velar os doentes, confortar os moribundos e amortalhar os mortos. A minha mãe só lhes censurava o costume de se pentearem antes de irem para a cama. “Meninas – dizia-lhes -: não penteiem o cabelo à noite que se atrasam os navegantes.” Tirando isso, pensava que não havia filhas mais bem-educadas. “São perfeitas”, ouvia-lhe dizer com frequência. “Qualquer homem será feliz com elas, porque foram criadas para sofrer.”


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Além disso, o pároco tinha arrancado com um puxão as vísceras retalhadas, mas no fim não soube o que fazer com elas, abençoando-as de raiva e atirando-as para o balde do lixo. Aos últimos curiosos que espreitavam pelas janelas da escola acabou-se-lhes a curiosidade, o ajudante desvaneceu-se, e o coronel Lázaro Aponte, que tinha visto e causado tantos massacres de repressão, acabou transformado em vegetariano, além de espiritista.
[Descrição da parte final da autópsia de Santiago Nasar]

5 comentários:

Anónimo disse...

Porquê "retorno"? e porquê "eterno"?


ALY

tsiwari disse...

ALY : retorno, por ser uma releitura. Manias... esta é mais uma - a de voltar aos livros que, de alguma forma, me deixaram saudades.

eterno, por ser uma constante. Faço-o, sistematicamente. A biblioteca vai crescendo. A dos afectos, também. [entenda-se, a dos livros de que vou gostando].

As férias são, por excelência, o tempo do "eterno retorno" - o voltar às memórias que me suscitam essa vontade.

Vai passando. ;)

Nenúfar Cor-de-Rosa disse...

Gostei imenso, obrigada pela partilha e continuação de boas férias com boas leituras à mistura! Bjs.

tsiwari disse...

Girafa : Tento... se pudesse contar, dir-te-ia que dos 180€ que entreguei - a maquineta multibanco não aceitava Visa - recebi uns cêntimos e umas sacas plásticas carregadinhas de livros, a preço de Feira do Livro [e que, depois disso, já por lá passei a fazer alguém oferecer-me um outro livro que namorara mas deixara ficar, pelo preço...], que trouxe dois filhos mais felizes e que já devorei mais uns quabtos livros...

Agora, neste momento, leio o Sarah, de J. T. Leroy - um murro no estômago, apesar de ter acabado, ainda hoje, o Lunário do Al Berto que é perturbador q.b.

***

deep disse...

Este foi um dos livros de que mais gostei -lembro-me de ter gostado também do filme -, por isso o reli.

Bom resto de férias e óptimas leituras! :)