domingo, maio 09, 2010

# CCCLXXI - Antropomorfia, a solução para?

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[Castelo do Queijo, Porto - Set'09]


A Literatura dos Açores tem, no pouco divulgado Emanuel Félix [24 de Outubro de 1936 / 14 de Fevereiro de 2004], o introdutor do concretismo poético em Portugal.



Álamo de Oliveira, no prefácio d´A viagem possível – Poesia (1965/1992), escreve:


Emanuel Félix é, na verdade, o poeta da perfeição. Cada poema contém uma idéia singular que se estruturaliza e levanta como obra independente e rara, deixando apenas a mão desenluvada que se une ao poema seguinte e que transforma as parcelas num todo indestrutível. Cada poema possui a sábia contenção das palavras, o mesmo rigor matemático das ciências concretas. Na sua poesia nada falta e nada se exclui. Redigo: Poeta perfeito! - Heresia perfeita para quem não crê que estas ilhas do Atlântico são a casa de um dos mais significativos criadores da Poesia Portuguesa contemporânea.



Gosto, particularmente, deste poema à la Lobo Antunes ( "Eu hei-de amar uma pedra" ) com laivos de Drummond de Andrade ( "No meio do caminho tinha uma pedra" ):


PEDRA-POEMA PARA HENRY MOORE


Um homem pode amar uma pedra
uma pedra amada por um homem não é uma pedra
mas uma pedra amada por um homem

O amor não pode modificar uma pedra
uma pedra é um objecto duro e inanimado
uma pedra é uma pedra e pronto

Um homem pode amar o espaço sagrado que vai de um
homem a uma pedra
uma pedra onde comece qualquer coisa ou acabe
onde pouse a cabeça por uma noite
ou sobre a qual edifique uma escada para o alto

Uma pedra é uma pedra
(não pode o amor modificá-la nem o ódio)


Mas se a um homem lhe der para amar uma pedra
não seja uma pedra e mais nada
mas uma pedra amada por um homem

Ame o homem a pedra
e pronto


Emanuel Félix






[Banda sonora de Bagdad Cafe (1988) , Blues Harp por William Galison]

8 comentários:

deep disse...

Parece um simples jogo de palavras, mas não é... Também faz lembrar Pessoa- Alberto Caeiro nesta passagem " uma pedra amada por um homem não é uma pedra
mas uma pedra amada por um homem".

Pois que ame o homem - ou a mulher - uma pedra... por vezes, mais vale!! :)

tsiwari disse...

É, não é?


:)***

wandering disse...

Se o bater das asas de uma simples borboleta pode mudar o normal decorrer dos acontecimentos, como pode o amor não mudar nada?

A pedra pode até nem notar que mudou, ou pode mudar, mas não como nós queremos, mas para quem a ama passou de certeza a ser uma pedra diferente.
Bj

tsiwari disse...

Aos olhos de quem a ama, enquanto a amar, decerto.

E a alma da pedra, acalentada por tal amor, alimentar-se-á das energias de que necessita para continuar a ser pedra para os demais, e transformar-se n'a pedra de quem a ama.

:)***

wandering disse...

E quando o amor acabar? Não continuará a ser sempre uma pedra diferente, de um modo ou de outro?

Só se a alma da pedra souber que é amada, e quiçá se retribuir esse amor.

Esta pedra, só pode ser preciosa, para dar origem a tanta conversa!

:)****

tsiwari disse...

wandering : nem de propósito, em maré de citações, se a pedra for minimamente letrada, se tiver degostado e interiorizado os poemas do Vinicius, então experimentará, pelo menos, a sensação de infinito enquanto durar - e isso muda qualquer pedra.

Acordará, inevitavelmente, diferente...

:)***

Raquel Alves disse...

Como não sou de pedra...gostei!

tsiwari disse...

Raquel - Se há coisa que não és, é seguramente pedra!!!!

:)****