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.[Da ramada do meu pai]
Há vinte anos Carlos Paião comovia um país inteiro com a sua morte. Em 1983, com a Cândida Branca Flor, levava ao festival aquela que se tornou uma das suas mais conhecidas canções : Vinho do Porto. O festival da canção era um acontecimento nacional e o país parava para ver tal coisa na RTP. Lembro-me das roupas espalhatafosas e do ritmo alegre do tema. Nessa altura, a letra passava-me completamente ao lado. E a riqueza da letra, traduzindo um olhar atento e uma sensibilidade apurada, merece bem que se lhe dê atenção! Carlos Paião era um capturador das almas dos que o rodeavam.
Em boa altura, lembraram-se de fazer um disco de homenagem ao artista, com novas interpretações/roupagens de alguns dos seus trabalhos. Ao ouvir a versão do Vinho do Porto, pelos "meus" Donna Maria, regressaram memórias guardadas algures num qualquer recanto da mente - que interpretação tão bem conseguida esta! À cadência, que Carlos Paião lhe dera, de comboio percorrendo os montes enriquecidos com as vinhas, os Donna Maria acrescentaram uns laivos de tango e modernidade.
Atentei, pois, também na letra, desta vez. Continua pertinente (e de que maneira...) - Há-de haver Porto / para o desconforto / Para o que anda torto / neste navegar basta querermos "entornar a pequenez".
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Vinho do Porto
Carlos Paião - Interpretação dos Donna Maria
Primeiro a serra semeada terra a terra
Nas vertentes da promessa, nas vertentes da promessa
Depois o verde que se ganha ou que se perde
Quando a chuva cai depressa, quando a chuva cai depressa
E nasce o fruto quantas vezes diminuto
Como as uvas da alegria, como as uvas da alegria
E na vindima vão as cestas até cima
Com o pão de cada dia, com o pão de cada dia
Suor do rosto pra pisar e ver o mosto
Nos lagares do bom caminho, nos lagares do bom caminho
Assim cuidado faz-se o sonho e fermentado
Generoso como o vinho, generoso como o vinho
E pelo rio vai dourado o nosso brio
Nos rabelos duma vida, nos rabelos duma vida
E para o mundo vão garrafas cá do fundo
De uma gente envaidecida, de uma gente envaidecida
Vinho do Porto, vinho de Portugal
E vai à nossa,à nossa beira mar
À beira Porto, à vinho Porto mar
Há-de haver Porto, para o nosso mar
Vinho do Porto, vinho de Portugal
E vai à nossa, à nossa beira mar
À beira Porto, à vinho Porto mar
Há-de haver Porto, para o desconforto
Para o que anda torto, neste navegar
Por isso há festa não há gente como esta
Quando a vida nos empresta uns foguetes de ilusão
Vem a fanfarra, os míudos, a algazarra
Vai-se o povo que se agarra pra passar a procissão
E são atletas, corredores de bicicletas
E palavras indiscretas na boca de algum rapaz
E as barracas mais os cortes nas casacas
Os conjuntos, as ressacas e outro brinde que se faz
Vinho do Porto vou servi-lo neste cálice
Alicerce da amizade em Portugal
É o conforto de um amor tomado aos tragos
Que trazemos por vontade em Portugal
Se nós quisermos entornar a pequenez
Se nós soubermos ser amigos desta vez
Não há champanhe que nos ganhe
Nem ninguém que nos apanhe
Porque o vinho é português