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[Praia, Agosto de 2008]
Nas férias leio, ainda mais, compulsivamente. Devoro alguns livros que vão sendo adquiridos a um ritmo que não permite a sua leitura, por entre tanto decreto-lei, despacho e circular com que somos mimados pelo querido Ministério da Educação - noblesse oblige!
Além de algumas novidades editoriais (chegadas via Círculo de Leitores, Hipermercados, Livrarias, Fnac e várias feiras do livro) trago na bagagem algum livro a que me apetece voltar. Desta feita, veio a Crónica de uma Morte Anunciada do Gabriel García Márquez.
Partilho dois excertos, diria, antológicos:
Os irmãos foram criados para serem homens. Elas tinham sido criadas para casar. Sabiam bordar com bastidor, coser à máquina, fazer renda de bilros, lavar e engomar, fazer flores artificiais e doces de fantasia, e redigir participações. Diferentemente das raparigas da época, que tinham descuidado o culto da morte, as quatro eram mestras na ciência antiga de velar os doentes, confortar os moribundos e amortalhar os mortos. A minha mãe só lhes censurava o costume de se pentearem antes de irem para a cama. “Meninas – dizia-lhes -: não penteiem o cabelo à noite que se atrasam os navegantes.” Tirando isso, pensava que não havia filhas mais bem-educadas. “São perfeitas”, ouvia-lhe dizer com frequência. “Qualquer homem será feliz com elas, porque foram criadas para sofrer.”
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Além disso, o pároco tinha arrancado com um puxão as vísceras retalhadas, mas no fim não soube o que fazer com elas, abençoando-as de raiva e atirando-as para o balde do lixo. Aos últimos curiosos que espreitavam pelas janelas da escola acabou-se-lhes a curiosidade, o ajudante desvaneceu-se, e o coronel Lázaro Aponte, que tinha visto e causado tantos massacres de repressão, acabou transformado em vegetariano, além de espiritista.
[Descrição da parte final da autópsia de Santiago Nasar]