(Trabalho de autor)
Nesta última quinta-feira, 21/06/07, fui atraído por uma Quinta(s) de Leitura, do Teatro Campo Alegre, no Porto.
A temática era "amantes e outros nomes de família" - e ia lá estar a Aldina Duarte. Imperdível, portanto.
Bilhetes esgotadíssimos. Será que alguém desiste? E fui esperando... Alguém deixou de vir, entrei.
A noite começou com o que a apresentadora/conversadora, Maria João Seixas, chamou "uma liturgia do beijo". João Galante e Ana Borralho fizeram Uníssono. Um beijo tal que, e mais uma vez Maria João dixit, venceria qualquer um daqueles dos cinemas, quando os cinemas competiam por apresentar o mais longo beijo.
Mal acabou o Uníssono - e durou q.b. - começou a conversa entre a Maria João Seixas (MARAVILHOSA!) e a poeta convidada Maria do Rosário Pedreira.
A Maria João pediu à poeta que lesse um texto, em prosa, dum autor que aprecia muito e que, segundo ela, conseguiu, como ninguém, escrever sobre isso da poesia.
Tudo o que se seguiu foi algo de inexplicável. A Maria João Seixas ainda a surpreender, com um sentido de humor irrepreensível e uma condução de conversa soberba. "Quando adolescente, eu era gorda, tinha acne e gaguejava. As minhas amigas eram elegantes e não conseguiam compreender por que tinha eu todos os namorados que queria." E contou-nos o seu segredo. "Ainda hoje o uso. Serve para tudo. Para a vida social, para a política, ...". E nós rendidos, encantados, presos nos seus dizeres.
Era óbvia a admiração que nutria pela poeta (SIMPÁTICA!). E pela poesia que segundo ela "escolhe os poetas, e não o contrário". E falava do lugar mais alto da poesia - acima da filosofia. E confessou-nos que ninguém como esta poeta fala tão bem de decotes!
A poeta surpreendeu pela autenticidade. Por carregar uma simplicidade que só alguns conseguem. Por confessar que só sabe trabalhar com letras. Se perdesse a profissão de editora, não saberia o que fazer... "Não sei cozinhar, nem...".
E contou-nos a importância do primeiro verso, que surge em qualquer altura... até mesmo no supermercado. E do trabalho laboratorial que vem depois. E do ler em voz alta o que escreve... e do achar, muitas vezes, que a sua poesia dita por outros não tem a mesma musicalidade - daí a importância do ler em voz alta, do fazer presente a musicalidade do poema. E (como eu adorei isso!) dizer que outos lêm a sua poesia, descobrindo coisas que ela não pôs lá! Lembrou que escreveu os primeiros versos muito cedo, em idade, "rimando limão com coração". E ficou pensativa, hesitando, acautelando a resposta, quando a Maria João lhe perguntou "Quem és?".
A noite estava quase perfeita.
Então o Pedro Lamares (que encenou teatros, há uns tempos), a Romi Soares, a Susana Menezes a a própria Maria do Rosário Pedreira disseram alguns poemas escolhidos pela poeta. Percorremos um pouco da sua intimidade.
Depois de um curtíssimo intervalo, e depois de mais um poema dito pela Maria do rosário Pedreira, entrou em palco a Aldina Duarte. (ARTISTA!).
Um fado, outro e mais outro... percorrendo os seus dois cd's, aprisionando-nos na envolvência daquele mundo seu. Até que cantou o "Ai meu amor se bastasse", e soltou-se... e daí para a frente esteve cada vez melhor. A Aldina canta (BEM!) muito e fala pouco.... Mas, desta feita, falou do pânico que sentia por estar quase a estrear em público um novo fado, com música de fado tradicional e tendo, como letra, um poema da poeta convidada. Foi um privilégio assistir, partilhar este momento. Lindíssimo este novo tema.
A noite ficou perfeita.
Mais ainda quando, sorrindo com a alma, a Aldina disse "Gosto tanto de cantar no Porto!". E nós acrescentaríamos, gostamos tanto de a ouvir cantar no Porto!
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Para ouvir, do álbum Crua, o tema Xaile encarnado:
Xaile Encarnado
Letra: João Monge / Música: Armandinho (Fado da Adiça)
Eu tenho um xaile encarnado
É uma lembrança tua
Tem um segredo bordado
Que às vezes eu trago à rua
Tem as marcas de uma vida
Que a vida marca no rosto
Mas ganha uma nova vida
Nas noites que o trago posto
Já foi lençol e bandeira
Vela de barco também
Tem marcas da vida inteira
Mas dizem que me cai bem
Se pensas que me perdi
Nalgum destino traçado
Para veres que não esqueci
Eu ponho o xaile encarnado