domingo, abril 29, 2007

# CXCVII - Fernando Terra, one-man-show


(Ontem, na Fnac do NS)

Há alguns anos atrás, nem sei precisar bem quantos, fui à Fnac do NS para asistir a um show-case do Al di Meola. O sítio estava à pinha. Havia um rapaz que estava sentado, só, numa das mesas aguardando o início da apresentação... Como tinha umas cadeiras vazias, nessa mesa, perguntei-lhe se me podia sentar.

- Com certeza, respondeu-me num português do Brasil.

Sentei-me e entabulámos conversa. Fiquei a saber da paixão mútua pela Maria João e tantos outros artistas da cena musical.

- E o que fazes, cá em Portugal?

- Sou artista, a tentar lançar a carreira. Estive noutros países da europa, já. E quis tentar Portugal... a facilidade da língua é importante, neste processo.

E continuámos por aí fora. Até hoje.

Entretanto fui assistindo aos seus múltiplos trabalhos - com marionetes para um espectáculo infantil lindo, com a sua música como banda sonora numa animação (olha que vai passar na televisão dia tal às tanta horas - e todos, em casa, (ou)vimos!) e nos espectáculos que ia dando pelo Norte, quando cá vinha e avisava. Nesta fase, já vivia em Lisboa, porque lá era onde tudo se passava (e passa!).

Ofereceu-me um cd com as suas canções próprias e um outro com algumas versões de standards.

Um dia, numa festa popular, ouço uma canção sua a tocar em alto volume, saída dos altifalantes dum carrossel - era o Tschüss cantado pelo Iran Costa.

Há uns dias, lançou o primeiro cd - "Ladrão de sonhos". Já eu sabia de cor quase tudo o que lá pôs. É um cd muito, muito, muito agradável. Vai ser um sucesso! Canções limpas, com sonoridades de quem calcorreou mundo e letras de quem vivenciou muitas experiências. Altamente recomendado.

Amigo meu, força nisso! Abraço, Fernando.

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Qualquer-Cola
Composição: Fernando Terra

Eu era viciado em qualquer cola
e os cães da minha rua me adoravam.
Ia de mobilete pra escola.
Os carros da avenida ultrapassavam...
... num gás!!!
Isso há muito tempo atrás.

Sonhava o sonho de um Zé Qualquer.
Às vezes escorregava e não caía.
Amigos meus vendiam picolé.
De tarde ía pra casa da vizinha...
... num gás!!!
Isso há algum tempo atrás.

Enquanto eu caminhava contra o vento...
Não sei se era maio ou dezembro.
Um simples punk da periferia.
Ouvia uma sirene e eu corria...
... num gás!!!
Isso há pouco tempo atrás.

E resolvi mudar do meu país.
Mudei. Fui lá pras bandas de Paris.
Achei que a pobreza era de mais.
Voltei correndo pra Minas Gerais...
... num gás!!!
Isso há um minuto atrás.

Mesmo que seja longe,
no “ó” de Belo Horizonte.
A Inglaterra, Trás os Montes.
A Alemanha e a Turquia.
A França e Andaluzia.
A Guatemala, os Açores.
Guarapari, Várzea das Flores.
Na selva dos animais.
Porto, Lisboa e Cascais.
... o tempo que não volta mais!



Podem ouvir todo o cd em http://www.fernandoterra.com/

domingo, abril 22, 2007

# CXLVI - My boy...


(My dearest boy!)
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...faz 9 anos hoje!
É um filósofo mor, fonte de perguntas e inquietações únicas. O primeiro Peter Pan que conheci, a desejar não crescer nunca.
Parabéns filhote!
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Altay Veloso - Nascido em 22 de Abril


Que homem é esse que tem sete vidas,
que gato, que tentação
Que os gladiadores invejam o folego
e a força do seu pulmão
Que mulato é esse de lábios carnudos,
com os olhos de cor anil
Que homem é esse nascido em 22 de abril

Bate tambor que nem Angola
sua sabor de coca-cola
Frequenta a sala da escola de samba
Devoto de Aparecida, trabalhador,
gosta da lida
O seu defeito é que ele nunca se zanga


Eu amo esse homem
porque sei que é lider em virtudes
Que outros não tem
Sei que precisa de muito amor
e carinho pra se dar bem
Que pena que alguns de seus filhos
descambam na vida e seu nome traem...
Que pena que alguns desses filhos
não puxaram ao pai


Bate tambor que nem Angola
sua sabor de coca-cola
Frequenta a sala da escola de samba
Devoto de Aparecida, trabalhador,
gosta da lida
O seu defeito é que ele nunca se zanga


Que homem é esse
que é tão bem dotado de raça
e pedegree
Que mulheres muito invejosas
fazem de tudo para tira-lo de mim
Mas sei que ele é forte
e resiste assim
como tem resistido a dor,
Se tiver certeza da força do meu amor


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Fica a versão da Elba Ramalho, linda como é seu apanágio:




domingo, abril 15, 2007

# CXLV - João, o Afonso sonhador


(Entregue, vivia a música que connosco partilhava - VNGaia, 14 Abril de 2007)



Já aqui http://4thefun.blogspot.com/2006/05/xlv-e-se-nos-fosse-dada-outra-vida.html vos falara do João. Conhecia apenas a sua música - especialmente interessante, rica e envolvente...
Ontem vi-o, num espectáculo de CantAutor a que chamou "Um redondo vocábulo" e em que percorre, belissimamente acompanhado ao piano por outro João (o Lucas), as canções e os poemas de José Afonso. Foi um espectáculo muito intimista, extremamente bem conseguido. Havia alturas em que nos parecia ser o José, e não o João, em palco - tal é a qualidade do trabalho. Dos discos do João, apenas reconheci o tema "Bombons de todos os dias" que faz parte do seu mais recente trabalho "Outra vida". Fica-me o desejo forte de o "ouver" num espectáculo seu, com os seus temas...

Não entendo como este fabuloso artista é ainda, para muitos portugueses, um ilustre desconhecido. Será culpa das televisões que apostam mais depressa em produtos medíocres?
Felizmente João Afonso é acarinhado noutras terras - em particular na Galiza - o que lhe vai, também, dando ânimo para continuar.

Ao João Afonso, relembro o pedido : Não esmoreças!

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Deixo em escuta o tema "Coral de missangas", do seu cd Missangas - um dos tais que é obrigatório em qualquer boa discografia. Este tema resulta de uma ideia (para mim, completamente inovadora) genial : é constituído por excertos de vários temas do álbum. Os temas aparecem ligados, como num colar (coral é mais bonito!) de missangas, conferindo uma consistência a todo o trabalho.
Nota : Cuidado com este cantautor! É viciante...





segunda-feira, abril 09, 2007

# CXCIV - E por falar em Nordeste


(A terra seca impede a labuta quotidiana, Porto, Abril de 2007)



Referi no post anterior o tema Asa Branca. Este hino do Pernambuco foi cantado e interpretado por dezenas de artistas (em Portugal, assim de repente, lembro-me duma versão da Isabel Silvestre e outra do Rao Kyao). O instrumental é lindíssimo e a letra fala da seca na região do Nordeste brasileiro que obriga toda a gente a abandonar a sua terra, inclusivamente um pássaro chamado Asa Branca.

A Volta da Asa Branca (1950) – nesta toada-baião, Zedantas retrata a alegria do sertanejo ao ver a Asa branca voltar ao Sertão e, com ela, chegam as primeiras chuvas, a esperança do sertanejo. Luiz Gonzaga, em entrevista ao Globo Repórter – TV Globo (1985), afirma que “A Asa branca é o símbolo da dor e do sofrimento na seca. Quando a seca queima o Sertão, até a Asa branca vai embora”. Zedantas, ao organizar uma seleção de seus sucessos com Luiz Gonzaga, em uma nota explicativa para o primeiro LP em 1959, intitulado Luiz Gonzaga canta seus sucessos com Zedantas, diz: “A Asa branca, imitando o sertanejo, migra para outras terras e volta ao Sertão nas primeiras chuvas. Tão singular o mimetismo de vida, já legou ao retirante o epíteto de ‘Asa branca’”.(DANTAS, 1959).

Fica-me sempre a imagem das mulheres sérias, dos homens trabalhadores...

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Asa branca - [Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira]


Quando olhei a terra ardendo qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu por que tamanha judiação (2x)


Que braseiro, que fornalha, nenhum pé de plantação
Por falta d'água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão (2x)


Inté mesmo a Asa Branca bateu asas do sertão
Entonce eu disse: adeus Rosinha, guarda contigo meu coração (2x)


Hoje longe muitas léguas nessa triste solidão
Espero a chuva cair de novo pra eu voltar pro meu sertão (2x)

Quando o verde dos teus olhos se espaiá na plantação
Eu te asseguro, não chores não, viu
Que eu voltarei, viu, meu coração (2x)

A volta da asa branca - [Zé Dantas - Luiz Gonzaga]

Já faz três noites / Que pro Norte relampeia
A Asa Branca ouvindo / O ronco do trovão
Já bateu asas e / Voltou pro meu sertão
Ai ai eu vou-me embora / Vou cuidar da plantação

A seca fez eu desertar / Da minha terra
Mas felizmente Deus / Agora se "alembrou"
De mandar chuva / Pra esse sertão sofredor
Sertão das "muié séria" / Dos "home trabaiadô"

Rios correndo / As cachoeiras tão zoando
Terra molhada, / Mato verde que riqueza
E a Asa Branca / Tarde canta que beleza
Ai ai o povo alegre / Mais alegre que a natureza

Sentindo a chuva / Me "arrecordo" de Rosinha
A linda flor do meu / Sertão pernambucano
E se a safra não / Atrapalhar meus planos
Que que há seu vigário / Vou casar no fim do ano

Das versões que conheço, gosto particularmente desta da Elba Ramalho com o fabuloso Zé Ramalho (do Admirável Gado Novo!):


quarta-feira, abril 04, 2007

# CXCIII - Divas - Dezanove - Elba Ramalho


(Elba Ramalho, em concerto)


Uma das minhas divas é a, eternamente menina da paraíba e uma simpatia única, Elba Ramalho.
De uma versatilidade invejável, eu acho-a no seu melhor quando aborda as composições genuinamente populares, como as do seu mestre Luiz Gonzaga.
[Mas convence, e muito bem, em todos os outros estilos. Imparável no Bêradero, do Chico César, quando canta "E a cigana analfabeta / lendo a mão de Paulo Freire", tenho que confessar!]
Hoje deixo uma sua versão do "Assum Preto" - o drama de não ver que permite a aproximação ao belo (para cantar melhor) , por contraposição ao que o autor descreve em Asa Branca - o ver é sofrer, dada a desolação a que foi abandonado o sertão.

Assum Preto
Composição: Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira


Tudo em vorta é só beleza
Céu de Abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor (bis)

Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá de mió (bis)

Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá (bis)

Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos óios meus.